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Profissionais apontam caminhos para enfrentar mudanças climáticas

66º Congresso Brasileiro do Concreto discutiu estratégias de mitigação de emissões de carbono e para aumentar resiliência das construções

A urbanização e a emergência climática colocam o desenvolvimento econômico e social entre dois limites: por um lado, é preciso assegurar o bem-estar da população mundial, atualmente em 8 bilhões de habitantes, com o mínimo de recursos materiais e energéticos; por outro, não se pode ultrapassar os limites máximos de uso de recursos naturais da biosfera, para não comprometer a manutenção da vida humana.

Para o setor construtivo, o balanço sustentável de uso de recursos naturais se traduz pela pressão para a construção de mais moradias e obras de infraestrutura nas cidades, desde que haja diminuição progressiva de emissões de gases de efeito estufa, de outros poluentes e rejeitos, bem como de uso mais eficiente de energia e materiais.

Com este panorama de fundo, o Instituto Brasileiro do Concreto realizou a 66ª edição do Congresso Brasileiro do Concreto, em Curitiba, de 28 a 31 de outubro, com o mote “Concreto: o material do passado, do presente e do futuro”.

O Congresso bateu o recorde de inscritos, chegando a 1352 participantes de todos os estados brasileiros e de 13 países estrangeiros.

A programação do evento contou com conferências plenárias, seminários, curso de qualificação profissional, visita técnica, concursos estudantis, feira de exposição, além de apresentações de trabalhos técnico-científicos de estudantes e professores de universidades.

Mudanças climáticas dominaram as discussões

No Seminário de Sustentabilidade, o professor da Escola Politécnica Federal de Lauzanne, na Suíça, David Ruggiero, apontou que a demanda prevista por moradias no mundo é equivalente à construção de uma cidade de Nova Iorque a cada mês até 2060. Por sua vez, atualmente o setor construtivo é responsável por 40% das emissões globais de carbono, considerando a produção de materiais construtivos, a execução de obras e, principalmente, sua operacionalização.

Por sua vez, a produção e execução de estruturas responde por 10% das emissões de carbono, mas, à medida que fontes fósseis forem substituídas por fontes renováveis na operação das edificações, sua participação deve cair e a da produção e execução de materiais e estruturas aumentar. Por isso, os palestrantes do 66º Congresso Brasileiro do Concreto foram unânimes em apontar a escolha de materiais e de tipologias estruturais como crítica para descarbonizar as construções agora e no futuro.

Segundo estimativas preliminares do GBDI (Global Building Data Iniciative), plataforma aberta para coleta, gerenciamento e análise de dados de emissões de carbono durante o ciclo de vida completo de estruturas de edificações, criada recentemente pelo Globe Consensus on Sustainability in the Built Environment, iniciativa interinstitucional estabelecida em 2021 para fazer avançar a sustentabilidade no ambiente construído, duas tendências aparecem nos dados: na média, os diferentes sistemas construtivos (aço, concreto, madeira e mistas) emitem cerca de 500 kg CO2e/m2; mas há variação significativa dentro de cada sistema. Essas tendências reforçam a importância de se estabelecer bons fornecedores de materiais e de serviços de engenharia dentro de cada sistema construtivo.

Por isso, a importância de plataformas de contabilidade ambiental, como o “Benchmarking Iterativo para projetos de baixo carbono (BIPc), apresentado no Seminário de Sustentabilidade. O BIPc é uma plataforma que estima o consumo de materiais e a pegada carbono embutido de projetos de moradias. Por meio dele, projetistas e construtoras podem comparar seus projetos com o benchmarking de projetos já executados no mercado da construção.

Em suas palestras no Seminário de Sustentabilidade e no IV Seminário de Edifícios Altos e Estruturas Protendidas, o diretor do escritório de projetos França & Associados, Ricardo França apresentou algumas soluções em pórticos para edifícios que reduzem a pegada de carbono. Os dados compilados por seu escritório em décadas de atuação mostram que quanto mais comprido o pórtico, melhor é seu desempenho estrutural, reduzindo consumo de concreto e, consequentemente, diminuindo emissões de CO2. Por outro lado, o número de pavimentos impacta no dimensionamento dos pilares e no contraventamento, aumentando as emissões de carbono. Por sua vez, lajes cogumelos com pilares-paredes são soluções de maior impacto ambiental. “A mitigação de emissões de carbono depende fundamentalmente das tipologias arquitetônicas e estruturais”, concluiu.

França expôs como a simulação em túnel de vento de maquetes de edificações com sensores de pressão ao longo da altura é um aliado para melhores soluções estruturais. Segundo ele, a obtenção de valores precisos de esforços horizontais permite tirar pilares e diminuir a altura de vigas no projeto estrutural, redundando numa estrutura mais econômica e com menos carbono embutido. “O investimento em túnel de vento se paga”, argumentou.

Ele mostrou ainda casos de edifícios nos quais diferentes pegadas para uma mesma tipologia construtiva deveu-se aos diferentes materiais usados.

Estratégias de descarbonização da construção

Estratégias, soluções e processos para descarbonizar as estruturas foram apresentadas em outros momentos do 66º Congresso Brasileiro do Concreto.

A pesquisadora da Organização dos Países Baixos para a Pesquisa Científica Aplicada (TNO) e vice-presidente da Federação Internacional do Concreto Estrutural (fib), Agnieszka Bigaj-van Vliet, mostrou no 66º Congresso Brasileiro do Concreto como o fib Model Code 2020 e os documentos que lhe dão suporte se constituem em um arcabouço normativo que alinha a engenharia estrutural com a sustentabilidade, a circularidade e o pensamento orientado para o desempenho.

O Código-Modelo da fib, elaborado por meio do esforço coletivo de mais de 1400 especialistas de 67 países, se propõe a ser o texto-base para futuras normas técnicas para estruturas de concreto em todo mundo e uma referência para a pesquisa científica e tecnológica e para a educação profissional. “Esperamos que esta palestra sirva de inspiração aos participantes deste evento para o melhoramento das estruturas de concreto em seus aspectos de projeto, execução e gerenciamento de seu ciclo de vida”, finalizou Agnieszka Bigaj-van Vliet

O ex-presidente da fib e professor da University of New South Wales, em Sidney, na Austrália, Stephen Foster, exemplificou caminhos para descarbonizar a construção.

As estratégias de redução de clínquer no cimento, de cimento no concreto, de concreto nas estruturas e de reutilização de edificações foram também encampadas na palestra da pesquisadora da Escola Politécnica Federal de Lauzanne, Karen Scrivener, que adicionou a elas a redução de emissão de CO2 na produção de clínquer por meio de plantas de cimento mais eficientes e uso de combustíveis alternativos e rejeitos industriais.

Scrivener enfatizou que a redução da quantidade de clínquer no cimento é a estratégia mais promissora. Isto porque em suas pesquisas, ela desenvolveu um tipo de cimento com apenas 50% do clínquer, devido à sinergia encontrada entre a argila calcinada e o fíler calcário, materiais cimentícios suplementares, capazes de substituir atenderem à demanda de produção mundial anual de cimento.

De acordo com seus estudos, o novo cimento composto desenvolvido por ela emite 40% menos CO2 em relação ao cimento convencional e tem resistências mecânicas e módulo de elasticidade similares. Além disso, sua fissuração é similar e sua fluência é 50% superior à do cimento comum. No estado fresco, o cimento com argila calcinada e fíler calcário apresenta coesão, não segrega nem exsuda e sua trabalhabilidade é bem controlada com água e aditivos. Quanto à durabilidade, os estudos apontaram resistência à reação álcali-agregado e melhor resistência a cloretos, sendo sua limitação a taxa de carbonatação, comparável aos demais cimentos compostos.

Segundo as estimativas apresentadas em sua palestra, o conjunto dessas estratégias de descarbonização ao longo de toda a cadeia de valor do concreto tem o potencial de reduzir as emissões de carbono em até 70%. “Podemos fazer muito com as tecnologias que já temos disponíveis. Precisamos que todas as partes da indústria trabalhem conjuntamente para implementar o conhecimento que temos, em seu potencial máximo”, avaliou.

Impacto das mudanças climáticas nas obras de arte

Tão importante quanto as estratégias para mitigação das emissões de carbono pelas estruturas de concreto é projetar, construir, monitorar e reforçar obras para resistir às mudanças climáticas. Este foi o tema do professor da Universidade Lusófona, em Lisboa, Portugal, Elói Figueiredo, no II Seminário de Inspeção e Manutenção de Obras de Arte Especiais.

As mudanças climáticas em curso podem caminhar para um aumento global médio da temperatura da Terra de até 2,7°C em 2100, no cenário atual de compromissos de corte de emissões de carbono dos 198 países integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), com consequências devastadoras para as estruturas de concreto.

O aumento da frequência e da intensidade de ondas de calor ocasiona a maior expansão e retração dos materiais componentes das estruturas, levando a uma maior fissuração e deterioração de pavimentos, pontes e viadutos. Já, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera e da umidade relativa do ar implica maior carbonatação e corrosão de armaduras dessas obras, reduzindo sua vida útil, frequentemente projetada para durar de 50 a 100 anos, em média. Inundações, deslizamentos de terra e elevação do nível do mar podem causar o deslocamento da posição de pontes e viadutos e, no limite, seu colapso.

Este novo cenário climático e suas consequências não foram previstos nos projetos de obras de infraestrutura existentes. Por isso, o desafio atual da engenharia é planejar coordenada e racionalmente a aplicação de recursos financeiros para o reforço e reabilitação de obras de arte especiais (OAEs), adaptando-as às mudanças climáticas.

Para novas obras, o desafio é projetar e dimensionar estruturas com base em dados passados de temperatura, fissuração e deslocamento, e suas correlações, e em previsões futuras modeladas a partir desse levantamento histórico.

Com vistas à adaptação de obras de arte especiais às mudanças climáticas, a Universidade Lusófona participou, com outras universidades, do ClimaBridge Project, projeto europeu criado em 2021 para avaliar o impacto climático em pontes e indicar um mapa do caminho de estratégias de adaptação das OAEs para o novo cenário em curso.

O Projeto chegou à conclusão de que a adaptação de pontes existentes deve ser mais um parâmetro nos programas de inspeção, monitoramento e manutenção de obras de arte de cidades e países. Entre as medidas preconizadas pelas conclusões do Projeto estão: o reforço ou proteção de fundações; o aumento do cobrimento das armaduras pelo concreto; maior uso de juntas de retração; e pintura da ponte de branco para aumentar seu albedo.

Quer saber mais sobre as soluções técnicas do setor construtivo para as mudanças climáticas? Consulte as edições 120 e 119 da Revista CONCRETO & Construções.

Sobre o Autor

Fábio Pedroso
Jornalista no Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON) Editor da Revista CONCRETO & Construções Administrador e redator do Blog CONCRETO

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